Nossa viagem à Nova York foi abruptamente interrompida com a morte do bebê. Evie ficou dois dias no hospital, em observação, e não sai do seu lado um segundo sequer. Não queria ir a lugar nenhum, não queria estar longe caso ela precisasse de mim, embora tenha passado todo o tempo calada, encolhida na cama. Tentávamos conversar com ela, mas era em vão. Ela não conversava, mas reagia quando pensava que sairia de perto. Procurava minha mão parecendo assustada e a apertava com força contra o peito, enquanto chorava.
Voltamos para a Bulgária assim que ela recebeu alta. E no momento em que pisamos de volta a mansão do avô dela, Evie se trancou no quarto. Passava o dia na cama, de pijama. Eu nunca me senti tão inútil, pois não sabia o que fazer. Cheguei a pensar que teria que hospitaliza-la outra vez. Ela não falava, não comia e nem bebia nada. Ela simplesmente não se movia. Heinrich, seu tio que era médico, definiu seu estado como catatônico, mas eu não permitia que ele falasse qualquer coisa do tipo perto ela. Eu estava com medo que isso piorasse as coisas. Eu me esforçava para tentar ajuda-la, mas estava sempre preocupado de falar algo que a aborrecesse mais, então meus esforços não eram de muita ajuda. Seus olhos estavam apagados e sua expressão era sempre sem vida. Evie estava... vazia.
O corpo do bebê foi cremado, mas Evie não tinha forças para me acompanhar a algum lugar onde pudéssemos soltar as cinzas e Tessa me aconselhou a esperar até que ela estivesse melhor. Dê tempo a ela, era o que ela dizia. Dar tempo a ela era tudo que eu podia fazer, não havia mais nada que estivesse ao meu alcance. As meninas apareciam constantemente para visitá-la e Evie nunca se recusou a recebê-las, mas quando iam embora os relatos da visita eram sempre os mesmos.
‘Ela parecia distante, como sempre’ Milla comentou enquanto as acompanhava até a sala. Evie adormecera quando elas ainda estavam no quarto ‘Não acho que tenha ouvido alguma coisa do que dissemos’
‘Já tentou fazê-la sair um pouco de dentro de casa?’ Vina perguntou ‘Não está fazendo bem a ela ficar tanto tempo trancada naquele quarto’
‘Já tentei de tudo, mas ela não reage a nada’ Admiti derrotado ‘Já cogitei até arrancá-la de lá a força, mas não tenho coragem. Eu não sei mais o que fazer’
‘A gente sente muito, Micah’ Annia apertou meu ombro ‘Queríamos poder fazer alguma coisa para ajudar, mas ela não nos dá nenhuma opção’
‘Vocês virem aqui já é de grande ajuda, assim ao menos ela não se sente sozinha, mesmo que não reaja a nada’ Agradeci e paramos perto da porta.
‘Todo mundo já passou aqui?’ Milla perguntou ‘Ela já viu todos os amigos?’
‘Todos já vieram aqui. Chris e Shannon vêm quase todos os dias também, como vocês, Georgia veio algumas vezes, mas todos já vieram pelo menos uma vez nos visitar’
‘Bom, nós usamos todas as armas que tínhamos’ Nina falou me abraçando para se despedir ‘Insista outra vez, talvez ela demonstre alguma reação’
‘Obrigado. Está acabando comigo vê-la desse jeito’
‘Acaba com a gente também, mas ela vai reagir’ Vina falou confiante e as outras concordaram.
As meninas se despediram de mim e voltei para a sala sozinho. Aquela casa era imensa e naquele momento, todos os seus hóspedes e habitantes estavam na rua, o que deixava tudo silencioso demais. Já havia me acostumado com a família barulhenta dela e não gostava mais daquela calmaria, me dava tempo para pensar. Pensar era algo que não me agradava muito nos últimos dias. Fui até o quarto automaticamente conferir se Evie ainda estava dormindo, não gostava de deixá-la sozinha quando estava acordada. Fechei a cortina para a claridade não acorda-la e voltei para o corredor sem fazer barulho. Sabia que na maioria das vezes ela passava a madrugada acordada e quando dormia, tinha pesadelos e não conseguia descansar, então as raras vezes em que ela dormia durante o dia não deixava que nada nem ninguém atrapalhasse isso.
Não voltei ao primeiro andar, entrei na sala de TV e apoiei as mãos na bancada da varanda, encarando o jardim. Thor parecia sentir o que estava acontecendo, pois não o via mais saltar pelo gramado como um canguru. Ele agora passava o dia inteiro debaixo da janela do quarto de Evie, como um verdadeiro cão de guarda. Quando a ouvia chorar, chorava junto. Ele me lembrou meu cachorro, quando minha avó morreu. Han passou todo o velório sentado ao lado do caixão e não teve ninguém que conseguisse tira-lo de lá. Eu não fui ao enterro, mas me contaram que ele seguiu o cortejo ao lado dele e passou a noite no cemitério, só voltou para casa no dia seguinte pela manhã. Pensar em deixar Thor aqui quando nos mudássemos para Nova York era horrível, mas não permitiam cachorros no alojamento da Academia de Aurores e muito menos em Juilliard.
‘Mudar para Nova York’ Falei em voz alta, para mim mesmo ‘Será que ela ainda vai querer estudar lá?’
‘Claro que vai’ Ouvi a voz de Andrei e me assustei. Pensei que estava sozinho na casa ‘Assim que ela colocar a cabeça no lugar, vai entender que precisa seguir com a vida’
‘O semestre começa daqui a uma semana, não temos muito tempo. Não vou conseguir ir para Nova York e deixa-la aqui, isso está fora de cogitação’ Falei já decidido e ele parou do meu lado na varanda.
‘Quando a mãe dela morreu, nunca odiei tanto a superficialidade das pessoas’ Ele deu um longo suspiro antes de continuar, encarando um ponto fixo no jardim ‘Não há palavras. Você não sabe onde encontrar força, mas acaba achando’ Ele desviou os olhos do jardim e me encarou ‘Podem ter outro filho. Foi um acidente, uma tragédia, algo imprevisível’
‘Tudo foi um acidente’
‘Não, não foi. Vocês se amam, qualquer um vê isso’
‘Não sei se ela vai querer ter outro filho comigo’
‘Claro que vai querer. Apenas esperem o tempo certo, vocês ainda são jovens demais’
Ficamos em silencio por um longo tempo, até que Dario e Afonso aparataram no jardim carregando um Filipe quase desacordado nos braços, enquanto Mario e Diego, com seus recém-completados 16 anos e licença para aparatar, surgiam logo depois rindo como duas hienas. Andrei resmungou algo que não entendi e desceu ao encontro deles. Sacudi a cabeça, rindo. Eles tinham dado um porre em Filipe por ter sobrevivido às repúblicas de Durmstrang e se tornado veterano. Uma tradição iniciado por Andrei II e Pillar, que segundo Evie, deram um porre poético nela e em Max. Ela alega lembrar apenas de flashes confusos daquela noite e vomitar nos pés da avó. Afastei aquela imagem derrotada da cabeça e voltei ao quarto. Evie já estava acordada e parei ao lado da cama, sentando no chão para ficar na altura dela. Ficamos nos encarando em silencio, no escuro do quarto, e ela tentava sorrir um pouco, mas era nítido que o esforço era grande demais mesmo para um gesto tão simples. Beijei sua mão e a segurei com as duas mãos.
‘Você precisa sair dessa cama, meu amor’ Reuni coragem para tentar mais uma vez faze-la reagir e ela não desviou os olhos de mim ‘Está acabando comigo ver você assim. Não sei o que devo dizer. Não sei o que devo fazer. Foi um acidente’ Comecei a falar e foi quase impossível impedir que algumas lágrimas escorressem pelo meu rosto ao ver que ela começava a chorar. As palavras saiam com dificuldade ‘Você não fez nada errado. Nós não fizemos nada errado. Simplesmente aconteceu. Eu te amo, quero passar o resto da minha vida com você. Mas temos que nos despedir do nosso filho agora. Tenho que ajuda-la a fazer isso e não sei como. Por favor, me ajude. Por favor’
Evie fechou os olhos por alguns segundos ainda chorando e apertou minha mão com toda força que tinha, fazendo que sim com a cabeça. Senti um alivio tão grande que, pela primeira vez em muitos dias, o sorriso que se abriu em meu rosto era sincero.
Chegamos a Madrid através de uma chave de portal na manha do dia 23 de Agosto. Madalena estava sozinha a nossa espera no jardim de sua casa, seus três filhos estavam aproveitando os últimos dias de férias na Bulgária com o avô. Era melhor assim, quanto menos platéia, menos doloroso seria. Evie estava melhor, na medida do possível. Não passava mais o dia inteiro dentro do quarto e concordava em me acompanhar para caminhadas pelo jardim da casa. Quando as meninas voltaram para visitá-la na manha seguinte, conseguiu pela primeira vez interagir e participar da conversa, mesmo que mais ouvisse do que falasse. Milla foi embora com os braços carregados de sacolas, com as coisas que foram compradas em Nova York tanto para o bebê dela quanto para o nosso, Evie fez questão de que ela ficasse com tudo.
Deixamos as malas em casa e seguimos de carro até o centro de Madrid. Madalena estacionou o carro as margens do rio Manzanares e descemos, mas ela decidiu ficar e nos dar privacidade. Descemos até um pequeno píer bem próximo da margem e retirei uma urna muito pequena do bolso, estendendo-a com a palma da mão para ela. Ela me abraçou e balançou a cabeça. Entendi que devia ser eu a fazer isso e abri a urna, olhando para ela antes.
‘Quer dizer alguma coisa?’ Perguntei, esperando.
‘Só que... Vamos sentir sua falta’ Ela falou olhando para a urna em minha mão e me abraçou mais forte ‘Você nunca será esquecido’
Beijei sua testa e despejei as cinzas a favor do vento nas águas do rio. Elas se espalharam por toda parte e fechei a urna, guardando no bolso outra vez e envolvendo o outro braço livre ao redor dela. Ficamos naquela posição por algum tempo, sem conversar, apenas olhando para a água. Foi ela que quebrou o silencio.
‘Nós vamos superar isso, não é?’ Ela me perguntou, ainda olhando para o rio.
‘Não vai ser fácil, mas sim, nós vamos superar isso’ Fui sincero. Sabia que ia demorar, mas nós íamos conseguir ‘Vamos fazer tudo certo dessa vez, com as coisas na ordem correta’
‘O que quer dizer com isso?’ Ela desviou os olhos da água e me encarou, com o rosto ainda apoiado contra o meu peito.
‘Quero dizer que vamos para Nova York semana que vem, estudar e termos nossas profissões. Vamos seguir com a vida, como estávamos planejando, e depois que eu me formar, vou pedir você em casamento. Você vai aceitar, é claro’ Fiz uma pausa propositalmente convencida e ela riu. Sua risada me deu força pra continuar ‘Então vamos fazer uma festa de dar inveja a qualquer um e vamos morar na nossa própria casa, com aquele cachorro estabanado destruindo nossos móveis. E depois de todo esse processo, você vai engravidar outra vez e teremos um monte de filhos, talvez até três de uma vez só’
‘Está louco?’ Ela riu outra vez. Era tão bom ouvir o som de sua risada de novo ‘Trigêmeos? Acha que vamos dar conta de três bebês de uma só vez?’
‘Eles vão nos enlouquecer, sem dúvida. Vão chorar a noite toda, babar tudo e arrancar os pêlos do Thor, mas nós vamos dar conta’ Abaixei a cabeça para encara-la e segurei seu queixo ‘Vamos dar conta porque nos amamos e está mais do que provado que ele ajuda a superar todas as dificuldades’
‘É, tem razão’ Ela deu um sorriso ainda magoado, mas lindo, e me beijou ‘Ele supera tudo’
Apertei-a mais contra meu corpo e ela deitou a cabeça em meu ombro, suspirando pesado. O caminho para superar tudo aquilo seria longo e difícil, mas íamos passar por ele juntos e no fim, íamos ser muito felizes.
Voltamos para a Bulgária assim que ela recebeu alta. E no momento em que pisamos de volta a mansão do avô dela, Evie se trancou no quarto. Passava o dia na cama, de pijama. Eu nunca me senti tão inútil, pois não sabia o que fazer. Cheguei a pensar que teria que hospitaliza-la outra vez. Ela não falava, não comia e nem bebia nada. Ela simplesmente não se movia. Heinrich, seu tio que era médico, definiu seu estado como catatônico, mas eu não permitia que ele falasse qualquer coisa do tipo perto ela. Eu estava com medo que isso piorasse as coisas. Eu me esforçava para tentar ajuda-la, mas estava sempre preocupado de falar algo que a aborrecesse mais, então meus esforços não eram de muita ajuda. Seus olhos estavam apagados e sua expressão era sempre sem vida. Evie estava... vazia.
O corpo do bebê foi cremado, mas Evie não tinha forças para me acompanhar a algum lugar onde pudéssemos soltar as cinzas e Tessa me aconselhou a esperar até que ela estivesse melhor. Dê tempo a ela, era o que ela dizia. Dar tempo a ela era tudo que eu podia fazer, não havia mais nada que estivesse ao meu alcance. As meninas apareciam constantemente para visitá-la e Evie nunca se recusou a recebê-las, mas quando iam embora os relatos da visita eram sempre os mesmos.
‘Ela parecia distante, como sempre’ Milla comentou enquanto as acompanhava até a sala. Evie adormecera quando elas ainda estavam no quarto ‘Não acho que tenha ouvido alguma coisa do que dissemos’
‘Já tentou fazê-la sair um pouco de dentro de casa?’ Vina perguntou ‘Não está fazendo bem a ela ficar tanto tempo trancada naquele quarto’
‘Já tentei de tudo, mas ela não reage a nada’ Admiti derrotado ‘Já cogitei até arrancá-la de lá a força, mas não tenho coragem. Eu não sei mais o que fazer’
‘A gente sente muito, Micah’ Annia apertou meu ombro ‘Queríamos poder fazer alguma coisa para ajudar, mas ela não nos dá nenhuma opção’
‘Vocês virem aqui já é de grande ajuda, assim ao menos ela não se sente sozinha, mesmo que não reaja a nada’ Agradeci e paramos perto da porta.
‘Todo mundo já passou aqui?’ Milla perguntou ‘Ela já viu todos os amigos?’
‘Todos já vieram aqui. Chris e Shannon vêm quase todos os dias também, como vocês, Georgia veio algumas vezes, mas todos já vieram pelo menos uma vez nos visitar’
‘Bom, nós usamos todas as armas que tínhamos’ Nina falou me abraçando para se despedir ‘Insista outra vez, talvez ela demonstre alguma reação’
‘Obrigado. Está acabando comigo vê-la desse jeito’
‘Acaba com a gente também, mas ela vai reagir’ Vina falou confiante e as outras concordaram.
As meninas se despediram de mim e voltei para a sala sozinho. Aquela casa era imensa e naquele momento, todos os seus hóspedes e habitantes estavam na rua, o que deixava tudo silencioso demais. Já havia me acostumado com a família barulhenta dela e não gostava mais daquela calmaria, me dava tempo para pensar. Pensar era algo que não me agradava muito nos últimos dias. Fui até o quarto automaticamente conferir se Evie ainda estava dormindo, não gostava de deixá-la sozinha quando estava acordada. Fechei a cortina para a claridade não acorda-la e voltei para o corredor sem fazer barulho. Sabia que na maioria das vezes ela passava a madrugada acordada e quando dormia, tinha pesadelos e não conseguia descansar, então as raras vezes em que ela dormia durante o dia não deixava que nada nem ninguém atrapalhasse isso.
Não voltei ao primeiro andar, entrei na sala de TV e apoiei as mãos na bancada da varanda, encarando o jardim. Thor parecia sentir o que estava acontecendo, pois não o via mais saltar pelo gramado como um canguru. Ele agora passava o dia inteiro debaixo da janela do quarto de Evie, como um verdadeiro cão de guarda. Quando a ouvia chorar, chorava junto. Ele me lembrou meu cachorro, quando minha avó morreu. Han passou todo o velório sentado ao lado do caixão e não teve ninguém que conseguisse tira-lo de lá. Eu não fui ao enterro, mas me contaram que ele seguiu o cortejo ao lado dele e passou a noite no cemitério, só voltou para casa no dia seguinte pela manhã. Pensar em deixar Thor aqui quando nos mudássemos para Nova York era horrível, mas não permitiam cachorros no alojamento da Academia de Aurores e muito menos em Juilliard.
‘Mudar para Nova York’ Falei em voz alta, para mim mesmo ‘Será que ela ainda vai querer estudar lá?’
‘Claro que vai’ Ouvi a voz de Andrei e me assustei. Pensei que estava sozinho na casa ‘Assim que ela colocar a cabeça no lugar, vai entender que precisa seguir com a vida’
‘O semestre começa daqui a uma semana, não temos muito tempo. Não vou conseguir ir para Nova York e deixa-la aqui, isso está fora de cogitação’ Falei já decidido e ele parou do meu lado na varanda.
‘Quando a mãe dela morreu, nunca odiei tanto a superficialidade das pessoas’ Ele deu um longo suspiro antes de continuar, encarando um ponto fixo no jardim ‘Não há palavras. Você não sabe onde encontrar força, mas acaba achando’ Ele desviou os olhos do jardim e me encarou ‘Podem ter outro filho. Foi um acidente, uma tragédia, algo imprevisível’
‘Tudo foi um acidente’
‘Não, não foi. Vocês se amam, qualquer um vê isso’
‘Não sei se ela vai querer ter outro filho comigo’
‘Claro que vai querer. Apenas esperem o tempo certo, vocês ainda são jovens demais’
Ficamos em silencio por um longo tempo, até que Dario e Afonso aparataram no jardim carregando um Filipe quase desacordado nos braços, enquanto Mario e Diego, com seus recém-completados 16 anos e licença para aparatar, surgiam logo depois rindo como duas hienas. Andrei resmungou algo que não entendi e desceu ao encontro deles. Sacudi a cabeça, rindo. Eles tinham dado um porre em Filipe por ter sobrevivido às repúblicas de Durmstrang e se tornado veterano. Uma tradição iniciado por Andrei II e Pillar, que segundo Evie, deram um porre poético nela e em Max. Ela alega lembrar apenas de flashes confusos daquela noite e vomitar nos pés da avó. Afastei aquela imagem derrotada da cabeça e voltei ao quarto. Evie já estava acordada e parei ao lado da cama, sentando no chão para ficar na altura dela. Ficamos nos encarando em silencio, no escuro do quarto, e ela tentava sorrir um pouco, mas era nítido que o esforço era grande demais mesmo para um gesto tão simples. Beijei sua mão e a segurei com as duas mãos.
‘Você precisa sair dessa cama, meu amor’ Reuni coragem para tentar mais uma vez faze-la reagir e ela não desviou os olhos de mim ‘Está acabando comigo ver você assim. Não sei o que devo dizer. Não sei o que devo fazer. Foi um acidente’ Comecei a falar e foi quase impossível impedir que algumas lágrimas escorressem pelo meu rosto ao ver que ela começava a chorar. As palavras saiam com dificuldade ‘Você não fez nada errado. Nós não fizemos nada errado. Simplesmente aconteceu. Eu te amo, quero passar o resto da minha vida com você. Mas temos que nos despedir do nosso filho agora. Tenho que ajuda-la a fazer isso e não sei como. Por favor, me ajude. Por favor’
Evie fechou os olhos por alguns segundos ainda chorando e apertou minha mão com toda força que tinha, fazendo que sim com a cabeça. Senti um alivio tão grande que, pela primeira vez em muitos dias, o sorriso que se abriu em meu rosto era sincero.
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Chegamos a Madrid através de uma chave de portal na manha do dia 23 de Agosto. Madalena estava sozinha a nossa espera no jardim de sua casa, seus três filhos estavam aproveitando os últimos dias de férias na Bulgária com o avô. Era melhor assim, quanto menos platéia, menos doloroso seria. Evie estava melhor, na medida do possível. Não passava mais o dia inteiro dentro do quarto e concordava em me acompanhar para caminhadas pelo jardim da casa. Quando as meninas voltaram para visitá-la na manha seguinte, conseguiu pela primeira vez interagir e participar da conversa, mesmo que mais ouvisse do que falasse. Milla foi embora com os braços carregados de sacolas, com as coisas que foram compradas em Nova York tanto para o bebê dela quanto para o nosso, Evie fez questão de que ela ficasse com tudo.
Deixamos as malas em casa e seguimos de carro até o centro de Madrid. Madalena estacionou o carro as margens do rio Manzanares e descemos, mas ela decidiu ficar e nos dar privacidade. Descemos até um pequeno píer bem próximo da margem e retirei uma urna muito pequena do bolso, estendendo-a com a palma da mão para ela. Ela me abraçou e balançou a cabeça. Entendi que devia ser eu a fazer isso e abri a urna, olhando para ela antes.
‘Quer dizer alguma coisa?’ Perguntei, esperando.
‘Só que... Vamos sentir sua falta’ Ela falou olhando para a urna em minha mão e me abraçou mais forte ‘Você nunca será esquecido’
Beijei sua testa e despejei as cinzas a favor do vento nas águas do rio. Elas se espalharam por toda parte e fechei a urna, guardando no bolso outra vez e envolvendo o outro braço livre ao redor dela. Ficamos naquela posição por algum tempo, sem conversar, apenas olhando para a água. Foi ela que quebrou o silencio.
‘Nós vamos superar isso, não é?’ Ela me perguntou, ainda olhando para o rio.
‘Não vai ser fácil, mas sim, nós vamos superar isso’ Fui sincero. Sabia que ia demorar, mas nós íamos conseguir ‘Vamos fazer tudo certo dessa vez, com as coisas na ordem correta’
‘O que quer dizer com isso?’ Ela desviou os olhos da água e me encarou, com o rosto ainda apoiado contra o meu peito.
‘Quero dizer que vamos para Nova York semana que vem, estudar e termos nossas profissões. Vamos seguir com a vida, como estávamos planejando, e depois que eu me formar, vou pedir você em casamento. Você vai aceitar, é claro’ Fiz uma pausa propositalmente convencida e ela riu. Sua risada me deu força pra continuar ‘Então vamos fazer uma festa de dar inveja a qualquer um e vamos morar na nossa própria casa, com aquele cachorro estabanado destruindo nossos móveis. E depois de todo esse processo, você vai engravidar outra vez e teremos um monte de filhos, talvez até três de uma vez só’
‘Está louco?’ Ela riu outra vez. Era tão bom ouvir o som de sua risada de novo ‘Trigêmeos? Acha que vamos dar conta de três bebês de uma só vez?’
‘Eles vão nos enlouquecer, sem dúvida. Vão chorar a noite toda, babar tudo e arrancar os pêlos do Thor, mas nós vamos dar conta’ Abaixei a cabeça para encara-la e segurei seu queixo ‘Vamos dar conta porque nos amamos e está mais do que provado que ele ajuda a superar todas as dificuldades’
‘É, tem razão’ Ela deu um sorriso ainda magoado, mas lindo, e me beijou ‘Ele supera tudo’
Apertei-a mais contra meu corpo e ela deitou a cabeça em meu ombro, suspirando pesado. O caminho para superar tudo aquilo seria longo e difícil, mas íamos passar por ele juntos e no fim, íamos ser muito felizes.