sexta-feira, 21 de agosto de 2009 11:55 Postado por Micah Sanders Wade 0 comentários
Nossa viagem à Nova York foi abruptamente interrompida com a morte do bebê. Evie ficou dois dias no hospital, em observação, e não sai do seu lado um segundo sequer. Não queria ir a lugar nenhum, não queria estar longe caso ela precisasse de mim, embora tenha passado todo o tempo calada, encolhida na cama. Tentávamos conversar com ela, mas era em vão. Ela não conversava, mas reagia quando pensava que sairia de perto. Procurava minha mão parecendo assustada e a apertava com força contra o peito, enquanto chorava.

Voltamos para a Bulgária assim que ela recebeu alta. E no momento em que pisamos de volta a mansão do avô dela, Evie se trancou no quarto. Passava o dia na cama, de pijama. Eu nunca me senti tão inútil, pois não sabia o que fazer. Cheguei a pensar que teria que hospitaliza-la outra vez. Ela não falava, não comia e nem bebia nada. Ela simplesmente não se movia. Heinrich, seu tio que era médico, definiu seu estado como catatônico, mas eu não permitia que ele falasse qualquer coisa do tipo perto ela. Eu estava com medo que isso piorasse as coisas. Eu me esforçava para tentar ajuda-la, mas estava sempre preocupado de falar algo que a aborrecesse mais, então meus esforços não eram de muita ajuda. Seus olhos estavam apagados e sua expressão era sempre sem vida. Evie estava... vazia.

O corpo do bebê foi cremado, mas Evie não tinha forças para me acompanhar a algum lugar onde pudéssemos soltar as cinzas e Tessa me aconselhou a esperar até que ela estivesse melhor. Dê tempo a ela, era o que ela dizia. Dar tempo a ela era tudo que eu podia fazer, não havia mais nada que estivesse ao meu alcance. As meninas apareciam constantemente para visitá-la e Evie nunca se recusou a recebê-las, mas quando iam embora os relatos da visita eram sempre os mesmos.

‘Ela parecia distante, como sempre’ Milla comentou enquanto as acompanhava até a sala. Evie adormecera quando elas ainda estavam no quarto ‘Não acho que tenha ouvido alguma coisa do que dissemos’

‘Já tentou fazê-la sair um pouco de dentro de casa?’ Vina perguntou ‘Não está fazendo bem a ela ficar tanto tempo trancada naquele quarto’

‘Já tentei de tudo, mas ela não reage a nada’ Admiti derrotado ‘Já cogitei até arrancá-la de lá a força, mas não tenho coragem. Eu não sei mais o que fazer’

‘A gente sente muito, Micah’ Annia apertou meu ombro ‘Queríamos poder fazer alguma coisa para ajudar, mas ela não nos dá nenhuma opção’

‘Vocês virem aqui já é de grande ajuda, assim ao menos ela não se sente sozinha, mesmo que não reaja a nada’ Agradeci e paramos perto da porta.

‘Todo mundo já passou aqui?’ Milla perguntou ‘Ela já viu todos os amigos?’

‘Todos já vieram aqui. Chris e Shannon vêm quase todos os dias também, como vocês, Georgia veio algumas vezes, mas todos já vieram pelo menos uma vez nos visitar’

‘Bom, nós usamos todas as armas que tínhamos’ Nina falou me abraçando para se despedir ‘Insista outra vez, talvez ela demonstre alguma reação’

‘Obrigado. Está acabando comigo vê-la desse jeito’

‘Acaba com a gente também, mas ela vai reagir’ Vina falou confiante e as outras concordaram.

As meninas se despediram de mim e voltei para a sala sozinho. Aquela casa era imensa e naquele momento, todos os seus hóspedes e habitantes estavam na rua, o que deixava tudo silencioso demais. Já havia me acostumado com a família barulhenta dela e não gostava mais daquela calmaria, me dava tempo para pensar. Pensar era algo que não me agradava muito nos últimos dias. Fui até o quarto automaticamente conferir se Evie ainda estava dormindo, não gostava de deixá-la sozinha quando estava acordada. Fechei a cortina para a claridade não acorda-la e voltei para o corredor sem fazer barulho. Sabia que na maioria das vezes ela passava a madrugada acordada e quando dormia, tinha pesadelos e não conseguia descansar, então as raras vezes em que ela dormia durante o dia não deixava que nada nem ninguém atrapalhasse isso.

Não voltei ao primeiro andar, entrei na sala de TV e apoiei as mãos na bancada da varanda, encarando o jardim. Thor parecia sentir o que estava acontecendo, pois não o via mais saltar pelo gramado como um canguru. Ele agora passava o dia inteiro debaixo da janela do quarto de Evie, como um verdadeiro cão de guarda. Quando a ouvia chorar, chorava junto. Ele me lembrou meu cachorro, quando minha avó morreu. Han passou todo o velório sentado ao lado do caixão e não teve ninguém que conseguisse tira-lo de lá. Eu não fui ao enterro, mas me contaram que ele seguiu o cortejo ao lado dele e passou a noite no cemitério, só voltou para casa no dia seguinte pela manhã. Pensar em deixar Thor aqui quando nos mudássemos para Nova York era horrível, mas não permitiam cachorros no alojamento da Academia de Aurores e muito menos em Juilliard.

‘Mudar para Nova York’ Falei em voz alta, para mim mesmo ‘Será que ela ainda vai querer estudar lá?’

‘Claro que vai’ Ouvi a voz de Andrei e me assustei. Pensei que estava sozinho na casa ‘Assim que ela colocar a cabeça no lugar, vai entender que precisa seguir com a vida’

‘O semestre começa daqui a uma semana, não temos muito tempo. Não vou conseguir ir para Nova York e deixa-la aqui, isso está fora de cogitação’ Falei já decidido e ele parou do meu lado na varanda.

‘Quando a mãe dela morreu, nunca odiei tanto a superficialidade das pessoas’ Ele deu um longo suspiro antes de continuar, encarando um ponto fixo no jardim ‘Não há palavras. Você não sabe onde encontrar força, mas acaba achando’ Ele desviou os olhos do jardim e me encarou ‘Podem ter outro filho. Foi um acidente, uma tragédia, algo imprevisível’

‘Tudo foi um acidente’

‘Não, não foi. Vocês se amam, qualquer um vê isso’

‘Não sei se ela vai querer ter outro filho comigo’

‘Claro que vai querer. Apenas esperem o tempo certo, vocês ainda são jovens demais’

Ficamos em silencio por um longo tempo, até que Dario e Afonso aparataram no jardim carregando um Filipe quase desacordado nos braços, enquanto Mario e Diego, com seus recém-completados 16 anos e licença para aparatar, surgiam logo depois rindo como duas hienas. Andrei resmungou algo que não entendi e desceu ao encontro deles. Sacudi a cabeça, rindo. Eles tinham dado um porre em Filipe por ter sobrevivido às repúblicas de Durmstrang e se tornado veterano. Uma tradição iniciado por Andrei II e Pillar, que segundo Evie, deram um porre poético nela e em Max. Ela alega lembrar apenas de flashes confusos daquela noite e vomitar nos pés da avó. Afastei aquela imagem derrotada da cabeça e voltei ao quarto. Evie já estava acordada e parei ao lado da cama, sentando no chão para ficar na altura dela. Ficamos nos encarando em silencio, no escuro do quarto, e ela tentava sorrir um pouco, mas era nítido que o esforço era grande demais mesmo para um gesto tão simples. Beijei sua mão e a segurei com as duas mãos.

‘Você precisa sair dessa cama, meu amor’ Reuni coragem para tentar mais uma vez faze-la reagir e ela não desviou os olhos de mim ‘Está acabando comigo ver você assim. Não sei o que devo dizer. Não sei o que devo fazer. Foi um acidente’ Comecei a falar e foi quase impossível impedir que algumas lágrimas escorressem pelo meu rosto ao ver que ela começava a chorar. As palavras saiam com dificuldade ‘Você não fez nada errado. Nós não fizemos nada errado. Simplesmente aconteceu. Eu te amo, quero passar o resto da minha vida com você. Mas temos que nos despedir do nosso filho agora. Tenho que ajuda-la a fazer isso e não sei como. Por favor, me ajude. Por favor’

Evie fechou os olhos por alguns segundos ainda chorando e apertou minha mão com toda força que tinha, fazendo que sim com a cabeça. Senti um alivio tão grande que, pela primeira vez em muitos dias, o sorriso que se abriu em meu rosto era sincero.

***

Chegamos a Madrid através de uma chave de portal na manha do dia 23 de Agosto. Madalena estava sozinha a nossa espera no jardim de sua casa, seus três filhos estavam aproveitando os últimos dias de férias na Bulgária com o avô. Era melhor assim, quanto menos platéia, menos doloroso seria. Evie estava melhor, na medida do possível. Não passava mais o dia inteiro dentro do quarto e concordava em me acompanhar para caminhadas pelo jardim da casa. Quando as meninas voltaram para visitá-la na manha seguinte, conseguiu pela primeira vez interagir e participar da conversa, mesmo que mais ouvisse do que falasse. Milla foi embora com os braços carregados de sacolas, com as coisas que foram compradas em Nova York tanto para o bebê dela quanto para o nosso, Evie fez questão de que ela ficasse com tudo.

Deixamos as malas em casa e seguimos de carro até o centro de Madrid. Madalena estacionou o carro as margens do rio Manzanares e descemos, mas ela decidiu ficar e nos dar privacidade. Descemos até um pequeno píer bem próximo da margem e retirei uma urna muito pequena do bolso, estendendo-a com a palma da mão para ela. Ela me abraçou e balançou a cabeça. Entendi que devia ser eu a fazer isso e abri a urna, olhando para ela antes.

‘Quer dizer alguma coisa?’ Perguntei, esperando.

‘Só que... Vamos sentir sua falta’ Ela falou olhando para a urna em minha mão e me abraçou mais forte ‘Você nunca será esquecido’

Beijei sua testa e despejei as cinzas a favor do vento nas águas do rio. Elas se espalharam por toda parte e fechei a urna, guardando no bolso outra vez e envolvendo o outro braço livre ao redor dela. Ficamos naquela posição por algum tempo, sem conversar, apenas olhando para a água. Foi ela que quebrou o silencio.

‘Nós vamos superar isso, não é?’ Ela me perguntou, ainda olhando para o rio.

‘Não vai ser fácil, mas sim, nós vamos superar isso’ Fui sincero. Sabia que ia demorar, mas nós íamos conseguir ‘Vamos fazer tudo certo dessa vez, com as coisas na ordem correta’

‘O que quer dizer com isso?’ Ela desviou os olhos da água e me encarou, com o rosto ainda apoiado contra o meu peito.

‘Quero dizer que vamos para Nova York semana que vem, estudar e termos nossas profissões. Vamos seguir com a vida, como estávamos planejando, e depois que eu me formar, vou pedir você em casamento. Você vai aceitar, é claro’ Fiz uma pausa propositalmente convencida e ela riu. Sua risada me deu força pra continuar ‘Então vamos fazer uma festa de dar inveja a qualquer um e vamos morar na nossa própria casa, com aquele cachorro estabanado destruindo nossos móveis. E depois de todo esse processo, você vai engravidar outra vez e teremos um monte de filhos, talvez até três de uma vez só’

‘Está louco?’ Ela riu outra vez. Era tão bom ouvir o som de sua risada de novo ‘Trigêmeos? Acha que vamos dar conta de três bebês de uma só vez?’

‘Eles vão nos enlouquecer, sem dúvida. Vão chorar a noite toda, babar tudo e arrancar os pêlos do Thor, mas nós vamos dar conta’ Abaixei a cabeça para encara-la e segurei seu queixo ‘Vamos dar conta porque nos amamos e está mais do que provado que ele ajuda a superar todas as dificuldades’

‘É, tem razão’ Ela deu um sorriso ainda magoado, mas lindo, e me beijou ‘Ele supera tudo’

Apertei-a mais contra meu corpo e ela deitou a cabeça em meu ombro, suspirando pesado. O caminho para superar tudo aquilo seria longo e difícil, mas íamos passar por ele juntos e no fim, íamos ser muito felizes.

Estava quase na hora de encontrarmos as meninas na recepção do hotel e Micah já estava pronto para descer, mas agora era eu quem ainda estava enrolada em um roupão, dominada pela preguiça. Meus pés ainda doíam e estavam um pouco inchados, então os deixei descansando em cima de uma almofada enquanto Micah me prendia pela cintura, me deixando tão aconchegada em seu peito que seria difícil a preguiça me abandonar. Uma de suas mãos mexia em cabelo e a outra alisava minha barriga. Esse gesto já era tão comum que às vezes nem percebia.

‘Vocês compraram a Babies “R” Us toda’ Micah comentou olhando as sacolas espalhadas pelo chão do quarto ‘Sobrou alguma coisa pros outros clientes?’

‘Vivi deixou algumas sobras, mas nem tudo é meu, comprei um monte de coisa pra Milla também!’ Falei animada ‘Como não sabemos o sexo ainda, compramos tudo amarelo e branco’

‘A criança vai parecer um pomo de ouro’ Ele riu.

‘Como você é implicante... Não são tão amarelas assim!’ Ele riu mais alto e me beijou.

‘O bebê está quieto’ Comentou de repente, olhando para minha barriga ‘Ele costuma se mexer bem, não?’

‘É verdade, mas acho que ainda é cedo para ele se mexer o tempo todo’ Lembrei do que o médico falou e não me preocupei ‘Hoje ele ficou quietinho’

‘Já estão prontos?’ Ouvimos uma batida na porta e Micah a destrancou usando a varinha, deixando Tessa entrar ‘Evie, você ainda está assim?’

‘Ai desculpa, me distrai conversando’ Falei levantando apressada da cama e correndo pro banheiro ‘Fico pronta em um segundo!’

‘Tessa, é normal que o bebê não tenha se mexido hoje?’ Ouvi Micah perguntar.

‘Ele ainda não está na fase em que se mexe o dia inteiro e deixa Evie desconfortável, mas não é normal não ter se mexido o dia inteiro’ Senti o tom de voz dela preocupado e vesti a blusa depressa, abrindo a porta do banheiro. Tessa me encarou ‘Quando foi a última vez que você sentiu o bebê mexer?’

‘Ontem, na parte da tarde’ Respondi começando a me preocupar também.

‘Pode não ser nada, mas prefiro levar você até um hospital, só pra ter certeza’ Ela falou por fim e Micah já se pôs de pé ao meu lado ‘Vivi e Nikki podem segurar a reserva do restaurante, eu acompanho vocês’

Nem mesmo contestei e peguei minha bolsa em cima da mesa, saindo com ela. Tessa era médica e mesmo não sendo obstetra, estava acompanhando todo o processo da minha gravidez com o meu médico, então se ela achava que era melhor conferir se tudo estava bem, não tinha razão para discutir. Micah foi todo o caminho até o hospital segurando firme minha mão e podia sentir que ele estava preocupado, mas não deixava transparecer, talvez para me acalmar.

Tessa conhecia a obstetra de plantão naquele dia e passei a frente de algumas pessoas, então assim que chegamos fui direto para o quarto e esperei apenas alguns minutos até que a médica entrasse e depois que Tessa explicou rapidamente o que a motivou a me levar até lá, ela ligou o aparelho de ultrassom e começou a passar na minha barriga. Ela usou o aparelho por alguns minutos, sempre captando a mesma imagem, paralisada. Não conseguia ver tudo com clareza, mas podia identificar o formato do bebê, já inteiramente desenvolvido por fora.

‘Quando foi a última vez que o bebê se mexeu?’ Ela perguntou em um tom de voz que não passava nem calma nem preocupação.

‘Ontem, na parte da tarde’ Respondi tentando ver o que ela via no monitor, mas sem sucesso.

‘Nenhum sangramento? Espasmos?’ Neguei com a cabeça e ela parecia intrigada ‘vou fazer um zumbido’ Ela continuou passando o aparelho na minha barriga, fazendo um barulho alto. Repetiu três vezes e desligou.

‘Tem certeza que colocou na cabeça?’ Tessa perguntou já alarmada e comecei a me apavorar. A médica já estava limpando minha barriga ‘E quanto ao liquido amniótico? Se...’

‘Por favor, sentem-se, vocês dois’ Ela falou olhando cautelosa para Tessa e Micah não se moveu, mas apertou minha mão ‘Eu observei por mais de 5 minutos. Não há batimentos cardíacos, não há movimento do corpo. Não há resposta ao estimulo acústico’ Apertei a mão de Micah com força, sem precisar continuar ouvindo para saber o que ela diria ‘Eu sinto muito, mas o bebê está morto. Pode ter sido uma infecção, um acidente com o cordão, eritroblastose, pré-eclampsia, talvez nunca saibamos’ Vi Tessa desabar na cadeira, sem uma reação definida. Eu ainda olhava imóvel para a médica ‘Vou interná-la pra fazer uma indução’

‘Indução?’ Consegui perguntar por fim.

‘Temos que tirar o bebê rápido’ Ela explicou.

‘Eu vou entrar em trabalho de parto?’

‘Sinto muito’ Ela parecia sincera ‘Vou pedir uma epidural e fazer sua ficha’

‘A pressão dela estava boa, nunca teve febre nem nada. O que aconteceu?’ Tessa falou ainda sentada e olhando para a parede.

‘Faremos uma autopsia depois do parto para descobrir’ A médica respondeu e saiu da sala.

Micah ainda apertava minha mão com força, de pé ao lado da cama. Quando a porta se fechou ele me encarou com uma expressão de pura dor, mas ao mesmo tempo dura. Puxei-o para baixo e ele me abraçou. Comecei a chorar desesperada, sem conseguir falar.

ººº

Depois do que pareceu uma eternidade, Evie começou a ser preparada pelas enfermeiras para o parto. Vivi e Nikki já estavam no hospital, mas se encarregaram de avisar nossas famílias e não estavam no quarto quando a equipe medica chegou. Não sai do lado dela um segundo sequer, e nem Tessa, que pediu para acompanhar tudo. Eles a anestesiaram e Evie não parava de chorar. Aquilo estava me deixando desesperado, pois não havia nada que eu pudesse fazer para acalmá-la. Estava de mãos atadas e aquela sensação de impotência, quando a pessoa que você ama está sofrendo, devia ser a pior sensação do mundo.

Eu apertava a mão dela, nervoso, enquanto a via se esforçar ao máximo para empurrar o bebê para fora. Seu rosto estava molhado de suor e ela já se sentia fraca, sem forças. Encostou a cabeça na cama chorando, mas a puxei de volta, beijando sua testa.

‘Não consigo mais’ Disse chorando, olhando para mim suplicante.

‘Só mais um pouco, meu amor’ Apertei sua mão e a beijei ‘Já vai terminar, eu prometo’

‘Evie, só mais uma vez’ Tessa falou a olhando por cima da barriga ‘Mais uma e ele sai. Conte até três e empurre’

Ela respirou fundo e contou até três, reunindo toda força que ainda lhe restava. Evie gritava tanto que parecia ser uma dor horrível, era como se estivesse morrendo, mas segundos depois vi a médica puxar um bebê muito pequeno e leva-lo embora. Deitaram-no em uma incubadora e o cercaram rápido.

‘Acabou’ Beijei sua testa, também cansado ‘Acabou’

‘O cordão enroscou no pescoço’ A médica falou ainda perto de nós ‘Ele se virou e se enroscou no cordão umbilical. Não há o que fazer para evitar isso. Não é genético, não é uma infecção. É só má sorte’ Ela levantou e se juntou aos outros médicos.

Deitei a cabeça sobre a dela e ficamos encarando o cerco de médicos em volta do bebê, que não emitia som algum. Ela afirmava que a dor já havia passado, mas ainda chorava. Eu me esforçava ao máximo para transparecer calma e demonstrar força perto dela. Os médicos se afastaram do vidro e o vi de relance. Era tão pequeno e frágil, e não movia um músculo. A médica o pegou no colo e caminhou até a cama. Evie estendeu a mão para segura-lo e virei o rosto, me afastando sem conseguir olhar pra ele.

‘Me perdoe’ Evie disse alisando seu rosto, as lágrimas escorrendo ‘Eu te amo’

Ouvi-a dizer enquanto Tessa se aproximava tentando controlar o choro e abri a porta da sala com um soco, saindo para o corredor vazio àquela hora da noite. Minha vontade era chutar tudo que estivesse em meu caminho até me acalmar, mas não conseguia reagir a nada. Andei até as poltronas perto da janela sem rumo, não sabia para onde ir e nem o que fazer.

‘Micah?’ Ouvi a voz de Michael e me virei rápido, o encontrando parado a poucos passos de mim, os braços abertos e uma expressão de dor.

Cheguei até ele numa passada só e o abracei com força, sem conseguir mais segurar as lágrimas. Enterrei a cabeça em seu ombro e me permiti chorar como uma criança.

‘Está tudo bem, filho’ Michael batia de leve nas minhas costas com uma mão e segurava minha cabeça com a outra. Sua voz era triste, mas era bom ouvi-la ‘Vai ficar tudo bem’.

Thor, o filhote de Labrador que Micah me dera de natal, corria loucamente pelo jardim da mansão do meu avô, tentando abocanhar um passarinho. Eu estava sentada no gramado rindo da diversão dele e Micah estava deitado com a cabeça apoiada em minha barriga, alheio as constantes trombadas que Thor dava nas árvores. Ele agora estava grande, embora ainda fosse um filhote de 8 meses. Estava tão grande e estabanado que quando entrava furtivamente dentro de casa arrastava tudo que estava em seu caminho.

‘Gosto de Diego’ Micah falou distraído e desviei a atenção de Thor, que agora rolava na grama ‘É um nome legal, não acha?’

‘Merlin, você já está pensando em nomes?’ Eu ri ‘Micah, mal entrei no quarto mês, sequer sabemos se é menino ou menina’

‘E daí? Nada impede que já tenhamos nomes em mente. E logo dará para saber’

‘É, tudo bem, tem razão... E Diego é legal, mas já temos um na família. Quer outro? E se for tão endiabrado quanto o original?’

‘Pensando por esse lado... E Eduardo?’

‘Por que está escolhendo nomes latinos?’ Achei graça.

‘Porque sei que prefere esses, e gosto deles’

‘Certo. Eduardo é bonito, mas está pensando apenas em nomes de meninos? E se for uma menina?’

‘Que nome quer se for uma menina?’

‘Eva’ Respondi de imediato e Micah riu.

‘Está rindo de mim, mas também andou pensando, não é?’ Revirou os olhos e ele sentou ao meu lado ‘Imaginei que fosse escolher esse nome’

‘Se ela estivesse aqui estaria dizendo que ia adorar ver a cara de surpresa das pessoas ao descobrirem que ela já era avó “tão nova assim”. Ia adorar isso’ Falei imitando o jeito de falar da minha mãe e não pude deixar de rir ao perceber que minha voz soou exatamente igual à dela.

‘Se for uma menina, vai se chamar Eva então. E como sei que ela vai ser tão linda quanto à mãe, vai combinar com o nome’ Micah me abraçou e caímos deitados na grama, nos beijando.

‘Merlin, por favor, vocês não vão fazer outro filho, não é?’ A voz de Dario nos trouxe de volta a realidade e sentamos na grama sem graças.

‘Não, um só está ótimo’ Respondi ainda um pouco corada.

‘Ótimo. Tia Madalena está chamando para o lanche, e antes que diga que não está com fome, ela mandou dizer que não quer saber e que você vai lanchar com os outros, pois agora precisa se alimentar por dois’

‘Sua tia tem razão, vamos’ Micah ficou de pé e estendeu a mão para me ajudar.

‘Minha tia quer é me deixar gorda’ Resmunguei caminhando de mãos dadas com Micah e ao lado do meu primo de volta para a mansão ‘Aqui, Thor, vem garoto’

‘Esse estado é inevitável, prima’ Dario riu abaixando para pegar a coleira no pescoço de Thor, que tentou pulou em seu colo ‘Mas não liga, daqui a 5 meses passa’

‘Vou ficar horrível gorda’ Resmunguei outra vez.

‘Você pode inchar ou encolher, que pra mim vai continuar linda’

‘E se eu encolher e ficar com 20 cm?’

‘Então eu carrego você no meu bolso’ Micah respondeu beijando minha bochecha e eu ri, enquanto Dario revirava os olhos e ria também.

ººº

O mês de Julho estava passando com rapidez e Agosto estava batendo a porta. Micah agora morava comigo na casa de meu avô enquanto seu treinamento na Academia de Aurores não começava. Ele havia se transferido para a academia de Nova York depois que recebi a carta de admissão para a Escola Juilliard, assim não teríamos que ficar longe um do outro e ele poderia me ajudar muito mais durante os meses que ainda restavam até o nascimento do nosso bebê. Estávamos na cidade com Vivi, Tessa e Nikki por uma semana, pois eu ainda tinha uma audição em Juilliard que seria apenas de praxe e aproveitaríamos para começar a preparar as coisas, assim como também fazer algumas compras.

Já no 4º mês de gravidez e com minha barriga começando a ficar em evidencia, Vivi, Tessa e Nikki insistiam em começar a comprar coisas para o bebê e usaram a viagem à Nova York como a desculpa perfeita para não se desperdiçar uma oportunidade daquela, como Tessa repetia incansavelmente. As coisas de Juilliard e Academia de Aurores foram resolvidas num piscar de olhos e tudo que via na minha frente depois disso eram coisas de bebê. Broadway? Acho que nem passei perto dela.

‘Evie, quero lhe pedir uma coisa’ Vivi falou subitamente, enquanto atirava algumas roupas de bebê em um carrinho já abarrotado ‘E já vou lhe avisando que não aceito não como resposta’

‘Então não vai me pedir nada, vai exigir’ Brinquei e ela riu, mas em tom sério.

‘É, de certa forma’ Ela me encarou com o ar mais maternal que poderia assumir ‘Quero que venha morar comigo depois que o bebê nascer’ Ameacei interromper e ela ergueu a mão, me impedindo ‘Não adianta dizer que terão tudo sob controle, pois não terão. Posso ajudar bem mais do que imagina e você não será mais obrigada a dormir no alojamento de Juilliard no próximo semestre, então não tem desculpa’

‘Vivi, planejávamos resolver isso sozinhos’ Tentei recusar a oferta, embora fosse mesmo ser a melhor opção. Micah e eu éramos os únicos responsáveis por isso, a vida de mais ninguém deveria sofrer alterações em sua rotina ‘Não queremos atrapalhar ninguém’

‘Não vai atrapalhar e não estou propondo que vivam debaixo do meu teto eternamente, apenas nos primeiros meses. Até que possam se sustentar sozinhos e cuidar de um bebê sem esquecê-lo dentro de um cesto de roupa suja’ Fiz uma careta e ela riu ‘Horrível, eu sei, mas acontece’

‘Posso ao menos pensar?’ Perguntei me sentindo encurralada ‘Pelo menos conversar com Micah antes?’

‘Claro que pode’ Ela sorriu e atirou outro punhado de roupas no carrinho ‘Mas já sabe que vão ter que se mudar’

Revirei os olhos para ela, mas acabei rindo. Vivi era persistente e sabia que não haveria argumentos no mundo capaz de fazê-la mudar de idéia. Sabia também que não podia recorrer a Nikki e Tessa, pois tinha absoluta certeza que elas estavam juntas nisso. Terminamos as compras, demasiada exageradas, conversando sobre outras coisas sem voltar ao assunto. Quando saímos da loja, Micah, Nikki e Tessa já nos esperavam do lado de fora da loja, parecendo exaustos. Eles haviam percorrido toda a 5th Avenue completando uma lista de exigências de amigos e parentes.

‘Podemos ir para o hotel?’ Micah perguntou em tom suplicante quando me viu ‘Descansar um pouco antes de sair pra jantar, acho que não vou agüentar emendar’

‘Pretende se formar como auror com essa disposição, Micah?’ Tessa o provocou.

‘Prefiro enfrentar 100 dementadores a fazer compras, e ainda por cima pros outros!’ Ele fez uma careta de tédio e rimos.

‘Sim, vamos pro hotel, também não agüento emendar com o jantar’ Ele pegou minhas sacolas e segurou a minha mão.

O hotel não era longe e voltamos a pé. Combinamos de nos encontrarmos na recepção às 20h e cada um foi para o seu quarto. A cama enorme e confortável do quarto era tão convidativa que me atirei de costas nela assim que me livrei dos sapatos, abraçando os travesseiros macios. Devo ter adormecido, pois quando senti Micah se apoiando com cuidado em cima de mim, ele estava de banho tomado e muito cheiroso. Seus cabelos ainda molhados deixaram uma marca na minha blusa e ele usava apenas o roupão do hotel. Minhas mãos automaticamente seguraram sua nuca enquanto o beijava sem querer interromper e ele me prendeu contra o colchão. Acho que não estava tão cansada assim...

((Continua...))