Dezembro de 2002
O dia de recrutar os garotos no reformatório havia chegado e depois de quase uma hora explicando o projeto a dois deles, eles estavam dispostos a participar. Seus nomes eram Michael Sullivan e Walter Ferguson, de 15 anos. Ambos tinham um extenso histórico de fugas e semanas de penitencia na solitária, mas a perspectiva de passar algumas horas longe daquela prisão parecia ter sido o maior incentivo para a cooperação. Faltava apenas um garoto, o mais complicado dos três. Thomas Marcano, um descendente de italiano sem pai nem mãe, campeão de fugas de Sunny Vale e conhecido por estar sempre desafiando os guardas e começando as brigas entre os detentos.
Aquele garoto tinha tudo para não colaborar, mas era quem eu mais queria no projeto. O guarda me autorizou a falar a sós com ele e me levou até a cela da solitária onde ele estava confinado, depois de ter aberto um corte enorme na cabeça de um garoto com a bandeja do almoço. Quando entrei no cubículo tão familiar, o garoto estava deitado no chão, os pés apoiados na parede e sequer se moveu para olhar quem tinha entrado. Tive que me esforçar para não rir, pois me reconheci de imediato.
Se for outro assistente tentando me fazer entrar pro grupo idiota de terapia, pode ir embora que já disse que não estou interessado – Thomas disse sem desviar os olhos da parede suja.
- Não sou assistente social e não entendo nada de terapia de grupo. Sou auror.
- Ah, o tal auror que quer nos ensinar boas maneiras – ele falou com deboche e o guarda reagiu incomodado, mas fiz sinal de que estava tudo bem – Não estou interessado também.
- Não queremos ensinar boas maneiras a ninguém, você já tão gentil, não precisa disso.
- Auror com senso de humor, gostei – ele me encarou pela primeira vez, mas ainda tinha uma expressão desinteressada – Mesmo assim, não, obrigado.
- Você se acha um valentão, não é? – disse no mesmo tom de deboche dele – Fica aqui na solitária, resistindo, e a cada vez que volta ganha mais respeito dos outros garotos. Sei como é sentir esse poder.
- Ah qual é, agora vai querer bancar o que acha que sabe como é viver aqui? Esse papo não cola, porque vocês não sabem de nada.
- É ai que você se engana. Já estive exatamente onde você está, deitado num chão como esse, cheio de atitude, fingindo que não estava nem ai pra nada, mas a verdade era que tudo que mais queria era sair sem precisar fugir e não ter que voltar mais. Fui amparado por pessoas que se importavam comigo quando sai e nunca mais voltei.
- Bom, é aí que vemos a diferença. Eu não tenho quem me ampare, estou preso nesse buraco até completar 18 anos.
- Então por que não levanta a bunda desse chão e vem conosco? Se conseguir se sair bem no projeto, não precisará ficar aqui até os 18 anos. Vai sair tendo para onde ir, e uma vaga garantida na Academia. Mas se prefere passar mais 3 anos aqui embaixo...
Virei de costas e já fazia menção de sair quando Thomas levantou, batendo a sujeira da roupa. Olhei para ele outra vez e ele me encarou de cima a baixo, ainda desconfiado, depois lançou um olhar para o guarda que o observava atento e estendeu a mão.
- Ok auror, o que tenho que fazer pra sair daqui?
- Ei Mike, vigilância constante!
Um raio azul cortou a sala e ricocheteou na parede quando Mike Sullivan abaixou a tempo de desviar do feitiço lançado por Thomas. Shannon cruzou a sala invocada e tomou a varinha de sua mão, lhe lançando um olhar de censura. Thomas apenas riu e deu de ombros, enquanto Walter ria vendo Mike no chão.
- Outra gracinha dessas e vai ser o único a continuar com a varinha confiscada, Tommy – avisei me juntando a ela no centro da sala – Isso aqui não é brincadeira. Se não forem levar o programa a sério, tem um monte de outros garotos que querem estar aqui no lugar de vocês.
- Não, vamos levar a sério! – Walter se alarmou e deu um soco no braço de Thomas – Ele não vai mais fazer isso.
- Ótimo. Vocês lembram as condições para continuar, não é? – Rachel perguntou – Suas notas terão que melhorar, uma abaixo de A e estão cortados. E também sem mais brigas. Se passassem menos tempo envolvidos em confusões no refeitório, teriam mais tempo para estudar.
- Estudar é um saco – Mike parou ao lado de Walter ajeitando os cabelos. Ele era menor que os outros dois e mais franzino, mas não menos encrenqueiro – É uma perda de tempo. Somos bruxos, podemos ter o que quisermos nas mãos.
- Ah é isso que você acha mesmo? – Eric o agarrou pela camisa e os outros dois se assustaram. Mike o encarou e confirmou – Vem até aqui.
Eric arrastou Mike até o corredor e o seguimos, até que pararam em frente a um enorme quadro que ficava no hall de entrada. Era um mosaico dos maiores aurores do mundo bruxo e suas conquistas. Ele ia apontando para os nomes dos aurores e perguntando quem eram e, curiosamente, Mike soube responder todos. Eric então começou a apontar os nomes dos bruxos das trevas capturados por aqueles aurores e ele não reconheceu nenhum nome, exceto Voldemort.
- Sabe por que você não reconhece nenhum desses nomes? – Mike não respondeu – Porque eles não são ninguém! Eram como você, pensavam que tinham o mundo nas mãos por serem bruxos. E agora estão todos mortos.
- Ok, chega – me aproximei e afastei Mike de Eric, vendo o garoto começar a se assustar de verdade – Já entendeu a mensagem, não é? – e ele assentiu, sem tirar os olhos arregalados de Eric – Vamos voltar pra sala.
Os três nos seguiram de volta pelo corredor e passaram o resto da aula do dia sem dizer quase nada. Acho que Eric tinha conseguido o que queria.
Março de 2003
O começo do programa foi difícil, éramos quatro futuros aurores tentando dominar três adolescentes rebeldes e sem medo de nada nem ninguém, mas com o passar do tempo os garotos foram entrando na linha. Foram muitos gritos, estresses, punições e vez ou outra brigas violentas entre eles, mas agora os três já nos obedeciam sem que precisássemos apartá-los das brigas com um feitiço. Dos três, Mike era o mais esforçado. Por ser o mais franzino, estava sempre tentando superar os colegas. E era também o que mais esperava ter um lugar para onde ir que não fosse sua própria casa, não queria voltar para as mãos dos pais viciados.
O treinamento era básico, mas estava funcionando. Eles tinham um programa de treinamento físico quase militar, que servia para ensiná-los disciplina, e aula de duelos todos os dias. Dávamos a eles a oportunidade de praticar os feitiços que aprendiam nas aulas, mas que eram apenas teóricas, e ensinávamos alguns outros. E duas vezes por semana eles tinham aulas básicas das matérias da Academia, como rastreamento, vigilância e esconderijo. Hoje seria o dia da nossa segunda avaliação do desempenho deles, na primeira todos conseguiram elevar as notas para A, mas não passavam disso. Quando chegamos à sala os três já estavam lá, debruçados em cima da mesa, tão concentrados que sequer nos ouviram. Shannon me cutucou com um sorriso no rosto, apontando o que estava prendendo a concentração deles: livros de magia.
- Ei meninos, o que estão lendo? – Rachel perguntou sentando ao lado de Walter.
- Esse feitiço do patrono... – Walter falou apontando a ilustração no livro – Vamos aprender? Vocês vão nos ensinar, não é?
- É, podemos pensar no caso de vocês, se mostrarem que merecem – Eric falou e na mesma hora Mike saltou do banco com uma pasta na mão, me entregando.
- Podem começar a nos ensinar – ele disse presunçoso e abri a pasta. Eram os relatórios de notas dos três, e não havia nenhuma abaixo de EE.
- É isso ai, seus pivetes – Eric estendeu a mão e os três bateram – Acho que isso pede um feitiço Patrono. Vamos pro tatame!
- O feitiço não é nenhum bicho de sete cabeças, é apenas um feitiço que requer concentração para ser executado – Shannon começou a explicar e os três apertavam as varinhas nas mãos, ansiosos – Para conjurar um Patrono, vocês precisam ter em mente uma lembrança feliz.
- Um Patrono é um tipo de energia positiva, uma projeção do que o dementador se alimenta: esperança, felicidade ou desejo de sobrevivência. E por ser apenas uma projeção, o dementador não pode tirar isso dele, por isso não pode afetá-lo – expliquei quando eles não pareciam entender o motivo de precisarem de uma lembrança feliz – Por isso o feitiço não funciona a menos que você esteja concentrando todas as suas forças em uma lembrança feliz.
- Vamos praticar primeiro, então mantenham as varinhas pata baixo e repitam comigo – Rachel ordenou e eles obedeceram – Expecto Patronum!
Rachel fez os garotos repetirem o encantamento durante muito tempo, até que todos os três estivessem usando a pronuncia correta, mas antes de deixar que tentassem executá-lo, pediu que gastassem alguns minutos procurando pela lembrança feliz que os ajudaria. Usando legilimência pude ver Mike concentrado em uma festa de aniversário com ele ainda pequeno, abraçado a uma senhora que pelas feições só poderia ser sua avó. Walt sorria, mentalizando a imagem de um parque, com sua versão de aproximadamente 10 anos brincando de futebol americano com um homem ruivo igual a ele, seu pai. Ambos pareciam ter escolhido sua memória, mas não conseguia ver nada na mente de Tommy. Era impossível que ele soubesse oclumência, mas antes que pudesse forçar alguma coisa, Shannon os trouxe de volta a realidade, autorizando que começassem a praticar o feitiço.
- Isso Walter! – Shannon o incentivou com entusiasmo ao ver uma luz prateada se iluminar na ponta de sua varinha – Está quase lá, se concentre mais e vai conseguir!
- Boa, Wally! Está quase tomando forma! – Mike acabou se desconcentrando ao ver que a luz prateada de Walt formava uma fumaça borrada e a sua se apagou – Ah, droga. Desculpe, me animei demais. Expecto Patronum!
- Ai! – ouvi Tommy gritar de dor e soltar a varinha no chão, levando a mão ao pulso imediatamente – Acho que torci o pulso.
- Venha até aqui, vou dar uma olhada – e Rachel o guiou para fora do tatame.
Continuei monitorando Walter e Mike, que progrediam lentamente, mas sem tirar os olhos de Tommy. Rachel analisou seu pulso e parecia não ter encontrado nada, mas ele dizia que estava doendo e não voltou para o exercício. Deixei que apenas observasse por quase meia hora, até que fui até ele.
- Machucou o pulso, então? – perguntei vendo-o apertá-lo com uma força exagerada. Ele fez que sim com a cabeça, sem me encarar – Por que não diz qual é o problema de verdade? Mentindo não posso ajudar.
- Não posso conjurar um patrono – ele disse em voz baixa, depois de algum tempo em silêncio.
- Como não? Claro que pode, é só se concentrar e se dedicar que vai conseguir. Você é ótimo com feitiços, Tommy.
- Mas eu não tenho nenhuma lembrança feliz! – ele explodiu de repente, mas a agitação na sala não fez ninguém ouvi-lo. Ele diminuiu a voz outra vez – Não posso conjurar um patrono porque não tenho nada feliz em que me concentrar.
- Você não se lembra de nada da sua infância que possa ajudar? Mike está usando uma lembrança de quando tinha menos de 6 anos.
- Hum, deixe-me ver o que posso usar... – Tommy fez uma cara debochada, como se estivesse se esforçando para lembrar as coisas – Até meus 5 anos todas as minhas lembranças são de estar sozinho em casa, enquanto meus pais trabalhavam fora ou sei lá o que faziam o dia todo na rua. Depois que eles desapareceram, morei nas ruas e tentava sobreviver todo dia, então não, acho que não vou conseguir usar nada.
- O que aconteceu com seus pais?
- Eles me deixavam sozinho todos os dias, trabalhavam fora, eu acho – ele deu de ombros – Às vezes esqueciam de deixar comida, mas sempre voltavam. Só que um dia não voltaram mais. Não sei se morreram ou foram embora e me deixaram pra trás, mas lembro que fiquei aliviado no dia que não voltaram, sabia que poderia sair pra procurar o que comer sem ser punido depois.
- Sinto muito por isso, mas se quiser, podemos tentar localizar seus pais. Se você é bruxo, é muito provável que eles também sejam e assim fica mais fácil.
- Obrigado, mas não – me espantei e ele me encarou firme – Se você localizá-los e me disser que estão mortos, vai doer. Mas se encontrá-los e disser que estão vivos, vai doer ainda mais.
- Entendi. Mas não quero que desista de praticar o feitiço, porque você não está mais sozinho no mundo, tem a todos nós e daqui pra frente terá muitas lembranças felizes. Tenha um pouco de paciência e vai ver que dará certo. Promete que não vai desistir? – ele assentiu com a cabeça e sorriu – Então levanta desse banco e vá se juntar aos seus amigos.
Tommy girou a varinha entre os dedos como costumava fazer e se juntou aos outros dois no tatame. Ele se esforçou durante um bom tempo, até que de repente uma luz prateada saiu da ponta de sua varinha, ainda que fraca. Ele logo se animou e passou a se empenhar ainda mais, enquanto eu me concentrava em ver o que ele estava vendo. E a imagem que vi em sua memória não poderia ter me dado mais certeza de que estávamos fazendo a coisa certa: Tommy tinha em mente exatamente aquele momento, em que estava cercado por pessoas que gostavam dele e queriam seu bem. Agora mais do que nunca sabia que aquele era um caminho que eu queria continuar seguindo.
O dia de recrutar os garotos no reformatório havia chegado e depois de quase uma hora explicando o projeto a dois deles, eles estavam dispostos a participar. Seus nomes eram Michael Sullivan e Walter Ferguson, de 15 anos. Ambos tinham um extenso histórico de fugas e semanas de penitencia na solitária, mas a perspectiva de passar algumas horas longe daquela prisão parecia ter sido o maior incentivo para a cooperação. Faltava apenas um garoto, o mais complicado dos três. Thomas Marcano, um descendente de italiano sem pai nem mãe, campeão de fugas de Sunny Vale e conhecido por estar sempre desafiando os guardas e começando as brigas entre os detentos.
Aquele garoto tinha tudo para não colaborar, mas era quem eu mais queria no projeto. O guarda me autorizou a falar a sós com ele e me levou até a cela da solitária onde ele estava confinado, depois de ter aberto um corte enorme na cabeça de um garoto com a bandeja do almoço. Quando entrei no cubículo tão familiar, o garoto estava deitado no chão, os pés apoiados na parede e sequer se moveu para olhar quem tinha entrado. Tive que me esforçar para não rir, pois me reconheci de imediato.
Se for outro assistente tentando me fazer entrar pro grupo idiota de terapia, pode ir embora que já disse que não estou interessado – Thomas disse sem desviar os olhos da parede suja.
- Não sou assistente social e não entendo nada de terapia de grupo. Sou auror.
- Ah, o tal auror que quer nos ensinar boas maneiras – ele falou com deboche e o guarda reagiu incomodado, mas fiz sinal de que estava tudo bem – Não estou interessado também.
- Não queremos ensinar boas maneiras a ninguém, você já tão gentil, não precisa disso.
- Auror com senso de humor, gostei – ele me encarou pela primeira vez, mas ainda tinha uma expressão desinteressada – Mesmo assim, não, obrigado.
- Você se acha um valentão, não é? – disse no mesmo tom de deboche dele – Fica aqui na solitária, resistindo, e a cada vez que volta ganha mais respeito dos outros garotos. Sei como é sentir esse poder.
- Ah qual é, agora vai querer bancar o que acha que sabe como é viver aqui? Esse papo não cola, porque vocês não sabem de nada.
- É ai que você se engana. Já estive exatamente onde você está, deitado num chão como esse, cheio de atitude, fingindo que não estava nem ai pra nada, mas a verdade era que tudo que mais queria era sair sem precisar fugir e não ter que voltar mais. Fui amparado por pessoas que se importavam comigo quando sai e nunca mais voltei.
- Bom, é aí que vemos a diferença. Eu não tenho quem me ampare, estou preso nesse buraco até completar 18 anos.
- Então por que não levanta a bunda desse chão e vem conosco? Se conseguir se sair bem no projeto, não precisará ficar aqui até os 18 anos. Vai sair tendo para onde ir, e uma vaga garantida na Academia. Mas se prefere passar mais 3 anos aqui embaixo...
Virei de costas e já fazia menção de sair quando Thomas levantou, batendo a sujeira da roupa. Olhei para ele outra vez e ele me encarou de cima a baixo, ainda desconfiado, depois lançou um olhar para o guarda que o observava atento e estendeu a mão.
- Ok auror, o que tenho que fazer pra sair daqui?
ººººº
- Ei Mike, vigilância constante!
Um raio azul cortou a sala e ricocheteou na parede quando Mike Sullivan abaixou a tempo de desviar do feitiço lançado por Thomas. Shannon cruzou a sala invocada e tomou a varinha de sua mão, lhe lançando um olhar de censura. Thomas apenas riu e deu de ombros, enquanto Walter ria vendo Mike no chão.
- Outra gracinha dessas e vai ser o único a continuar com a varinha confiscada, Tommy – avisei me juntando a ela no centro da sala – Isso aqui não é brincadeira. Se não forem levar o programa a sério, tem um monte de outros garotos que querem estar aqui no lugar de vocês.
- Não, vamos levar a sério! – Walter se alarmou e deu um soco no braço de Thomas – Ele não vai mais fazer isso.
- Ótimo. Vocês lembram as condições para continuar, não é? – Rachel perguntou – Suas notas terão que melhorar, uma abaixo de A e estão cortados. E também sem mais brigas. Se passassem menos tempo envolvidos em confusões no refeitório, teriam mais tempo para estudar.
- Estudar é um saco – Mike parou ao lado de Walter ajeitando os cabelos. Ele era menor que os outros dois e mais franzino, mas não menos encrenqueiro – É uma perda de tempo. Somos bruxos, podemos ter o que quisermos nas mãos.
- Ah é isso que você acha mesmo? – Eric o agarrou pela camisa e os outros dois se assustaram. Mike o encarou e confirmou – Vem até aqui.
Eric arrastou Mike até o corredor e o seguimos, até que pararam em frente a um enorme quadro que ficava no hall de entrada. Era um mosaico dos maiores aurores do mundo bruxo e suas conquistas. Ele ia apontando para os nomes dos aurores e perguntando quem eram e, curiosamente, Mike soube responder todos. Eric então começou a apontar os nomes dos bruxos das trevas capturados por aqueles aurores e ele não reconheceu nenhum nome, exceto Voldemort.
- Sabe por que você não reconhece nenhum desses nomes? – Mike não respondeu – Porque eles não são ninguém! Eram como você, pensavam que tinham o mundo nas mãos por serem bruxos. E agora estão todos mortos.
- Ok, chega – me aproximei e afastei Mike de Eric, vendo o garoto começar a se assustar de verdade – Já entendeu a mensagem, não é? – e ele assentiu, sem tirar os olhos arregalados de Eric – Vamos voltar pra sala.
Os três nos seguiram de volta pelo corredor e passaram o resto da aula do dia sem dizer quase nada. Acho que Eric tinha conseguido o que queria.
ººººº
Março de 2003
O começo do programa foi difícil, éramos quatro futuros aurores tentando dominar três adolescentes rebeldes e sem medo de nada nem ninguém, mas com o passar do tempo os garotos foram entrando na linha. Foram muitos gritos, estresses, punições e vez ou outra brigas violentas entre eles, mas agora os três já nos obedeciam sem que precisássemos apartá-los das brigas com um feitiço. Dos três, Mike era o mais esforçado. Por ser o mais franzino, estava sempre tentando superar os colegas. E era também o que mais esperava ter um lugar para onde ir que não fosse sua própria casa, não queria voltar para as mãos dos pais viciados.
O treinamento era básico, mas estava funcionando. Eles tinham um programa de treinamento físico quase militar, que servia para ensiná-los disciplina, e aula de duelos todos os dias. Dávamos a eles a oportunidade de praticar os feitiços que aprendiam nas aulas, mas que eram apenas teóricas, e ensinávamos alguns outros. E duas vezes por semana eles tinham aulas básicas das matérias da Academia, como rastreamento, vigilância e esconderijo. Hoje seria o dia da nossa segunda avaliação do desempenho deles, na primeira todos conseguiram elevar as notas para A, mas não passavam disso. Quando chegamos à sala os três já estavam lá, debruçados em cima da mesa, tão concentrados que sequer nos ouviram. Shannon me cutucou com um sorriso no rosto, apontando o que estava prendendo a concentração deles: livros de magia.
- Ei meninos, o que estão lendo? – Rachel perguntou sentando ao lado de Walter.
- Esse feitiço do patrono... – Walter falou apontando a ilustração no livro – Vamos aprender? Vocês vão nos ensinar, não é?
- É, podemos pensar no caso de vocês, se mostrarem que merecem – Eric falou e na mesma hora Mike saltou do banco com uma pasta na mão, me entregando.
- Podem começar a nos ensinar – ele disse presunçoso e abri a pasta. Eram os relatórios de notas dos três, e não havia nenhuma abaixo de EE.
- É isso ai, seus pivetes – Eric estendeu a mão e os três bateram – Acho que isso pede um feitiço Patrono. Vamos pro tatame!
- O feitiço não é nenhum bicho de sete cabeças, é apenas um feitiço que requer concentração para ser executado – Shannon começou a explicar e os três apertavam as varinhas nas mãos, ansiosos – Para conjurar um Patrono, vocês precisam ter em mente uma lembrança feliz.
- Um Patrono é um tipo de energia positiva, uma projeção do que o dementador se alimenta: esperança, felicidade ou desejo de sobrevivência. E por ser apenas uma projeção, o dementador não pode tirar isso dele, por isso não pode afetá-lo – expliquei quando eles não pareciam entender o motivo de precisarem de uma lembrança feliz – Por isso o feitiço não funciona a menos que você esteja concentrando todas as suas forças em uma lembrança feliz.
- Vamos praticar primeiro, então mantenham as varinhas pata baixo e repitam comigo – Rachel ordenou e eles obedeceram – Expecto Patronum!
Rachel fez os garotos repetirem o encantamento durante muito tempo, até que todos os três estivessem usando a pronuncia correta, mas antes de deixar que tentassem executá-lo, pediu que gastassem alguns minutos procurando pela lembrança feliz que os ajudaria. Usando legilimência pude ver Mike concentrado em uma festa de aniversário com ele ainda pequeno, abraçado a uma senhora que pelas feições só poderia ser sua avó. Walt sorria, mentalizando a imagem de um parque, com sua versão de aproximadamente 10 anos brincando de futebol americano com um homem ruivo igual a ele, seu pai. Ambos pareciam ter escolhido sua memória, mas não conseguia ver nada na mente de Tommy. Era impossível que ele soubesse oclumência, mas antes que pudesse forçar alguma coisa, Shannon os trouxe de volta a realidade, autorizando que começassem a praticar o feitiço.
- Isso Walter! – Shannon o incentivou com entusiasmo ao ver uma luz prateada se iluminar na ponta de sua varinha – Está quase lá, se concentre mais e vai conseguir!
- Boa, Wally! Está quase tomando forma! – Mike acabou se desconcentrando ao ver que a luz prateada de Walt formava uma fumaça borrada e a sua se apagou – Ah, droga. Desculpe, me animei demais. Expecto Patronum!
- Ai! – ouvi Tommy gritar de dor e soltar a varinha no chão, levando a mão ao pulso imediatamente – Acho que torci o pulso.
- Venha até aqui, vou dar uma olhada – e Rachel o guiou para fora do tatame.
Continuei monitorando Walter e Mike, que progrediam lentamente, mas sem tirar os olhos de Tommy. Rachel analisou seu pulso e parecia não ter encontrado nada, mas ele dizia que estava doendo e não voltou para o exercício. Deixei que apenas observasse por quase meia hora, até que fui até ele.
- Machucou o pulso, então? – perguntei vendo-o apertá-lo com uma força exagerada. Ele fez que sim com a cabeça, sem me encarar – Por que não diz qual é o problema de verdade? Mentindo não posso ajudar.
- Não posso conjurar um patrono – ele disse em voz baixa, depois de algum tempo em silêncio.
- Como não? Claro que pode, é só se concentrar e se dedicar que vai conseguir. Você é ótimo com feitiços, Tommy.
- Mas eu não tenho nenhuma lembrança feliz! – ele explodiu de repente, mas a agitação na sala não fez ninguém ouvi-lo. Ele diminuiu a voz outra vez – Não posso conjurar um patrono porque não tenho nada feliz em que me concentrar.
- Você não se lembra de nada da sua infância que possa ajudar? Mike está usando uma lembrança de quando tinha menos de 6 anos.
- Hum, deixe-me ver o que posso usar... – Tommy fez uma cara debochada, como se estivesse se esforçando para lembrar as coisas – Até meus 5 anos todas as minhas lembranças são de estar sozinho em casa, enquanto meus pais trabalhavam fora ou sei lá o que faziam o dia todo na rua. Depois que eles desapareceram, morei nas ruas e tentava sobreviver todo dia, então não, acho que não vou conseguir usar nada.
- O que aconteceu com seus pais?
- Eles me deixavam sozinho todos os dias, trabalhavam fora, eu acho – ele deu de ombros – Às vezes esqueciam de deixar comida, mas sempre voltavam. Só que um dia não voltaram mais. Não sei se morreram ou foram embora e me deixaram pra trás, mas lembro que fiquei aliviado no dia que não voltaram, sabia que poderia sair pra procurar o que comer sem ser punido depois.
- Sinto muito por isso, mas se quiser, podemos tentar localizar seus pais. Se você é bruxo, é muito provável que eles também sejam e assim fica mais fácil.
- Obrigado, mas não – me espantei e ele me encarou firme – Se você localizá-los e me disser que estão mortos, vai doer. Mas se encontrá-los e disser que estão vivos, vai doer ainda mais.
- Entendi. Mas não quero que desista de praticar o feitiço, porque você não está mais sozinho no mundo, tem a todos nós e daqui pra frente terá muitas lembranças felizes. Tenha um pouco de paciência e vai ver que dará certo. Promete que não vai desistir? – ele assentiu com a cabeça e sorriu – Então levanta desse banco e vá se juntar aos seus amigos.
Tommy girou a varinha entre os dedos como costumava fazer e se juntou aos outros dois no tatame. Ele se esforçou durante um bom tempo, até que de repente uma luz prateada saiu da ponta de sua varinha, ainda que fraca. Ele logo se animou e passou a se empenhar ainda mais, enquanto eu me concentrava em ver o que ele estava vendo. E a imagem que vi em sua memória não poderia ter me dado mais certeza de que estávamos fazendo a coisa certa: Tommy tinha em mente exatamente aquele momento, em que estava cercado por pessoas que gostavam dele e queriam seu bem. Agora mais do que nunca sabia que aquele era um caminho que eu queria continuar seguindo.
19 de maio de 2010 às 05:02
Quando esses meninos chegaram, eram tão indisciplinados que cheguei a pensar que não fossemos conseguir, mas nunca fiquei tão feliz por estar errada!
Pode ter certeza que também vou dar continuidade a isso depois que me formar.
4 de agosto de 2010 às 11:54
Acho esse projeto de vocês tão legal, Micah! Também queria ajudar. Se forem mesmo continuar com ele depois da formatura, e expandir, posso tentar entrar com o nosso departamento. Algumas aulinhas de obliviação e dispersão de trouxas, huahuahuahua!