Nova York, Setembro de 2000

Vida de aspirante a auror não era fácil. E se você é um calouro da Academia de Aurores de Nova York, então sua vida é um inferno. Todo dia os veteranos fazem questão de lembrar que calouros não são nada e nos aterrorizam com profecias furadas de que só menos da metade daquela turma de perdedores ia se formar em três anos. Era um saco, claro, mas eu nunca reclamava. Agüentava as provocações e insultos sem revidar, pois dali a um ano seria a minha vez de infernizar a vida de alguém e eu faria isso com maestria.

O veterano que mais pegava no meu pé era um legitimo nova iorquino cheio de orgulhoso de sua cidade chamado Stevens. Ele não aceitou muito bem a minha afirmação de que a Califórnia era melhor que Nova York e desde então passou a me perseguir, tentando a todo custo me fazer desistir. Eu dividia o quarto com um garoto de Nova Jersey chamado Eric Chambers e se pegavam no meu pé por ser da Califórnia, Eric sofria o dobro de provocações graças à rixa que existia entre Nova York e Nova Jersey, a cidade vizinha.

Shannon também não estava se saindo muito bem no quesito provocação. Ela e a outra única garota estudando na Academia, Rachel Aldrin, dividiam um quarto e eram muito mais cobradas que qualquer um dos outros garotos. Elas mesmas se esforçavam mais que o normal para não darem motivo de implicâncias ou provocações, mas se ainda existia certa resistência dos calouros da nossa turma contra a presença delas, aquilo acabou no dia que tivemos a nossa primeira aula de luta trouxa.

‘Muito bem, perdedores, hoje vamos ver quem consegue derrubar um adversário sem usar a varinha’ o auror Cartwirght, nosso instrutor do dia, andava entre a turma enquanto falava ‘Vocês vão lutar com protetores hoje, porque não quero ver nenhuma mariquinha choramingar, mas essa moleza é só por hoje!’

‘Ah, assim é moleza, até uma garota luta’ Barnett falou rindo e alguns dos garotos o acompanharam.

‘Cadete Barnett, um passo a frente’ o auror ordenou e ele obedeceu, já pegando o equipamento ‘Cadete Austen, um passo a frente’

‘Isso vai ser divertido’ Barnett provocou, vendo Shannon se preparar para a luta com bastões de espuma.

Os dois se posicionaram já protegidos pelos coletes e capacetes também de espuma e ao sinal do auror, começaram a luta. Barnett começou avançando para cima de Shannon, que apenas recuava e desviava dos golpes dele, até que ele a desequilibrou e ela quase caiu. Barnett já estava rindo, cantando vitoria, quando Shannon ficou de pé outra vez e deu inicio a uma sucessão de golpes pra cima dele, conseguindo o derrubar em menos de um minuto. A turma inteira urrava, incentivando ela a bater mais. Shannon batia com o bastão no capacete dele com muita rapidez e Barnett já devia estar ficando tonto, porque ergueu as mãos, derrotado.

‘Da próxima vez que desafiar alguém para um duelo, certifique-se primeiro de que é você quem vai vencer a luta, e não a outra pessoa, otário’ ouvi Shannon falar com o bastão pressionado contra o peito dele e depois se afastou, voltando para a fila.

‘Girl Power, sister’ Rachel ergueu o punho e Shannon fez o mesmo, arrancando alguns risos na fila.

‘Muito bem, seus maricas. Se mais ninguém quiser ser humilhado pela Cadete Austen, é melhor começarem a se dividir em duplas e lutarem!’

A turma mais que depressa se dividiu em duplas e se equiparam com as espumas, enchendo a sala com o barulho dos bastões batendo com violência contra os coletes. Depois dessa surra, acho que Shannon e Rachel iam passar a serem mais respeitadas na Academia, do contrário, mais alguns cadetes seriam humilhados por duas garotas.

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Nossa primeira semana de aula na Julliard havia finalmente chegado ao fim e eu não poderia estar mais acabada. Todas as aulas da divisão de dança eram extremamente puxadas e os professores eram tão exigentes que me faziam sentir falta da professora Mesic. Apesar de ser uma sexta-feira e a maioria dos alunos estarem saindo do campus para ir para casa ou apenas passear, minha maior ambição era passar uma mistura que meu tio Heinrich havia me ensinado nas pernas, na expectativa de que a dor passasse.

‘O que tem nessa coisa?’ Georgia torceu o nariz da cama dela, me vendo sentada no chão massageando as pernas com uma pasta roxa ‘O cheiro é muito forte!’

‘Essência de Murtisco especial dos Stanislav’ respondi rindo, cheirando a pasta ‘Receita pessoal do meu tio curandeiro. É muito boa’

‘Não vai sair com o Micah hoje?’

‘Só se ele vier me carregar no colo, não consigo dar dois pas-’

Minha frase foi interrompida quando a porta do quarto abriu com violência e cinco pessoas encapuzadas entraram, nos agarrando pelos braços e pernas e cobrindo nossos rostos com capuzes. Começamos a gritar e nos debater, mas senti uma mão pressionado um pano contra o meu nariz e me senti tonta, sem forças pra continuar resistindo, então me deixei ser carregada por quem quer que estivesse me seqüestrando.

Já havia sido advertida por uma menina do segundo período que em Julliard também aconteciam trotes, então não me desesperei, pois sabia que devia ser isso. Georgia também havia parado de gritar, deviam tê-la dopado com o mesmo que eu, e depois de sentir que estava sendo carregada escada abaixo por muitos andares, fui largada sem muita delicadeza dentro de alguma coisa dura e apertada. Senti outro corpo, provavelmente Georgia, bater no meu, seguido de uma porta de fechando. Continuei sem me mexer, calada, então ouvi o ronco de um motor e senti que estávamos no movendo. Contorci-me no espaço apertado e consegui erguer as mãos amarradas até a cabeça, arrancando o capuz.

‘Não acredito que estamos trancadas no porta-malas de um carro’ falei bufando, arrancando o capuz de Georgia.

‘Ótimo, pra onde será que estão nos levando?’ ela resmungou também, olhando ao redor do porta-malas apertado.

A resposta veio no que pareceu uma eternidade depois. O carro parou depois de rodar por muito tempo e quando abriram o porta-malas, reconheci as veteranas que nos tiraram lá de dentro. Aquilo era mesmo um trote idiota. Vi que tinham mais quatro calouras amarradas já sendo guiadas por outras duas para dentro de um edifício velho e olhei rápido ao redor, mas não reconheci onde estava. Elas nos encapuzaram outra vez e subimos muitos lances de escadas naquele prédio abandonado, até que finalmente pararam e nos livramos das vendas.

‘Bem vindas a Hell Week’ uma das veteranas, Casey, falou animada ‘Esse é o prédio original da New York High School of Performing Arts, a antecessora da nossa amada Julliard’ e estendeu os braços, indicando a sala a nossa volta ‘Esse solo é sagrado e para sair daqui, vocês terão que encontrar o caminho mais rápido. A dupla que chegar primeiro a sala onde vamos aguardá-las, com as chaves da porta, está livre da Hell Week. As duplas perdedoras não serão poupadas. Boa sorte’

Casey e as outras veteranas começaram a rir e saíram da sala, nos deixando sozinhas. Georgia imediatamente agarrou meu braço e saiu me rebocando para fora da sala, nos separando das outras calouras. O prédio era mesmo imenso e completamente abandonado. Entramos e saímos de antigas salas de aula e cada uma delas tinha uma pista para encontrarmos as chaves, contando histórias da época que a escola funcionava. E reparei que era possível chegar até as chaves seguindo três caminhos diferentes, para que cada dupla ficasse com um e vencesse a que fosse mais rápida.

Vez ou outra ouvíamos gritos vindos de outros corredores do prédio e sabia que eram as outras meninas, se deparando com as armadilhas montadas pelas veteranas. Eu já estava coberta de tinta dos pés a cabeça e Georgia havia perdido um sapato quando pisou em uma espécie de cola preta e muito grudenta, mas não íamos desistir. Precisava me livrar dos trotes, não ia agüentar ser seqüestrada outras vezes ou ter que passar por algum tipo de humilhação publica no meio de Nova York.

‘Ok, primeiro andar e três portes’ Georgia parou no meio do corredor ‘Matadouro, Sala de Preparação e Estúdio. Qual você prefere?’

‘Matadouro é nosso’ outra dupla chegou correndo e passou a nossa frente ‘Parece mais perigoso, aposto que está aqui’

‘Sala de preparação, vamos logo’ falei revirando os olhos e abri a porta. Georgia me seguiu.

‘Quem diria... Achamos as chaves’ Georgia sorriu vitoriosa vendo um chaveiro pendurado no teto e em seguida as meninas que entraram no matadouro começaram a gritar ‘Vamos dar o fora daqui, meus pés estão imundos!’

Georgia juntou as mãos para que eu pudesse subir apoiada nelas e consegui alcançar as chaves. Abrimos a porta apressadas e as veteranas estavam jogando cartas quando entramos, mas levantaram comemorando quando nos viram. Três delas saíram para resgatar as outras duas duplas e voltamos para Julliard, dessa vez sem estarmos trancadas no porta-malas. Talvez fossemos ser um pouco odiadas pelas outras calouras, mas quem se importa? Estávamos livres da Hell Week. Ah, como a vida justa...